sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Diário de Anne Frank no domínio público: sim, não ou depende?


Esse ano a morte da adolescente judia Anne Frank completa 70 anos. Nascida em Frankfurt, no ano de 1929, seu diário ficou famoso por retratar o cotidiano dos perseguidos pelo regime nazista, o qual eventualmente a capturou e causou sua morte no campo de concentração Belsen, em 1945. Esse lapso temporal é importante, pois indica que os escritos de Anne Frank cairão, a partir de 1 de janeiro de 2016, em domínio público, conforme indica o artigo 64 da lei alemã de direito de autor.

Ou não, já que a Fundação Anne Frank (AFF), detentora dos direitos autorais sobre o diário, recentemente emitiu essa nota declarando que a obra não estaria sequer próxima de entrar para o domínio público. Acontece que existem 3 versões da obra que são relevantes para se analisar. A primeira, redigida pela própria Anne, entrará sem sombra de dúvidas em domínio público a partir do ano que vem. Entretanto, o mundo só entrou em contato com o diário em 1947, a partir de uma edição revisada pelo seu pai, Otto Frank, o qual faleceu em 1980. Já a terceira versão foi feita pela pesquisadora Mirjam Pressler em 1991, sob a autorização da Fundação, somando trechos da versão original e da versão do pai.

A polêmica cinge-se em torno do conceito de co-autoria e de obra derivada. Caso se assuma que Otto Frank seja co-autor da obra por ele revisada e editada aí de fato deve-se contar o período de 70 anos a partir da morte do último co-autor para a obra entrar em domínio, o que ocorreria somente em 2051 (art. 8(2) da lei alemã e 23 da lei brasileira de direito de autor). Isso se dá pelo fato de que os co-autores possuem os mesmos direitos em relação a obra que escrevem, cabendo a eles, inclusive, todos os prazos previstos em lei.

Contudo, tendo a discordar dessa posição, utilizando como argumento os comentários fornecidos pelo próprio advogado brasileiro da AFF, Rodrigo Azevedo, a uma reportagem do GLOBO:
Indiscutivelmente, Anne Frank detém a autoria exclusiva das versões A e B do ‘Diário...’ Porém, mais complexa é a circunstância que envolve a criação das versões C e D (versões de Otto e Mirjam), sendo esta última justamente a obra que atualmente se encontra em circulação. Tanto na versão C quanto na D, o processo criativo foi diretamente influenciado por novas pessoas, gerando um resultado final inquestionavelmente diverso. Assim, cabe verificar se seriam essas modificações e rearranjos suficientes para qualificar as versões C e D como novas obras protegidas, o que, naturalmente, conduziria a diferentes prazos de duração dos direitos patrimoniais de autor, notadamente sabendo-se que Otto Frank faleceu apenas em 1980 e que Mirjam Pressler ainda vive. Desse modo, a versão atualmente em circulação (D), bem como o texto organizado por Otto Frank (C), na condição de obras derivadas, possuem prazos de proteção autoral independentes em relação aos textos originais, os quais seguirão vigentes ainda por décadas. (Negrito meu)
Percebam que o advogado da fundação fala na entrevista sobre "novas obras protegidas", o que certamente se refere ao instituto de obras derivadas. O art. 5º, inciso VIII da lei 9.610 define obra derivada como a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária, portanto nova obra. Assim, sendo criações diferenciadas, pode-se assumir que tanto os textos de Otto quanto de Mirjam ainda estão protegidos pelo instituto do Direito de Autor, mas que a redação original do diário de Anne Frank não o estará a partir do ano que vem.

Portanto, todo aquele que conseguir ter acesso à redação original do diário, sem as edições promovidas pelo pai de Anne, poderá utilizá-la e divulgá-la de qualquer forma sem sofrer qualquer tipo de sanção. Resta saber se a AFF divulgará ao público material tão raro de maneria voluntária.

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