terça-feira, 29 de setembro de 2015

TED talks: o que o amor pelos piratas nos diz sobre o acesso à informação?


O britânico Kester Brewin é autor, professor de matemática na Universidade de South East London e consultor da BBC educação, especialmente no que concerne a aplicação de tecnologias em sala de aula. Nesse episódio de TED talks ele fala, de uma maneira bem humorada, sobre a evolução do conceito de pirataria, a aplicação original do termo e como ela evoluiu para atualmente abarcar o conceito de contrafação,  previsto no artigo 5º, inciso VII, da lei 9.610/98. Vale a pena conferir.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

"Happy Birthday to you" entra em domínio público nos EUA, mas o que isso quer dizer no Brasil?


No dia 22/09 um juiz federal de Los Angeles decidiu que a música Happy Birthday to You (versão americana da "Parabéns a Você") não estaria mais sujeita ao pagamento de direitos autorais para seu uso, tendo passado para o domínio público. Em sua decisão, George H. King argumentou não haver comprovação de que a Warner (então detentora dos direitos sobre a música) adquirira a canção validamente. O documento de posse da empresa, datado de 1935 garantiria direito somente sobre alguns acordes da música, não sobre seu conjunto.

Contudo, cabe lembrar que essa decisão se refere somente à versão americana, de modo a ter entrado em domínio público somente os acordes da música e sua letra em inglês. O uso da versão brasileira merece um olhar mais atento. Isso porque a lei 9.610/98 estabelece em seu artigo 7º, inciso XI, serem obras protegidas as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova. Assim, a versão brasileira por si só constitui uma obra original e deve ser analisada como tal.

A versão brasileira foi redigida por Berta Celeste, em 1942, para um concurso realizado para a rádio carioca Tupi e sua letra original é a seguinte: 
Parabéns a Você
Nesta data querida
Muita felicidade
Muitos anos de vida
Tendo morrido em 1999 a lei brasileira de Direito de Autor estabelece em seu artigo 41 que os direitos patrimoniais sobre a obra, nomeadamente aqueles referentes a sua reprodução e execução pública, perduram por mais 70 anos. Isso quer dizer que os herdeiros de Berta Celeste poderão cobrar direitos autorais sobre a versão brasileira da música até 2070, mas nada agora pode impedir que se reproduza em público somente a melodia da canção.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Fundamentos da Decisão #10: O registro de marca da forma do KitKat


No último dia 16.09 o TJUE emitiu acórdão no processo C‑215/14 julgando a possibilidade de registro da forma de um produto enquanto marca. O caso em questão envolveu a Nestlé (dona da linha KitKat) e a Cadbury (tradicional empresa britânica de doces e confeitos) quando esta opôs o pedido de registro da forma dos wafers de chocolate no United Kingdom Intellectual Property Office (Instituto de marcas do Reino Unido).

Envolvendo diretamente a legislação sobre marcas da União Europeia, ao Tribunal de Justiça coube dar seu parecer sobre a possibilidade de registro de sinais constituídos essencialmente pela forma imposta pela própria natureza do produto e pela forma do produto necessária à obtenção de um
resultado técnico. Tal consta do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), o qual versa sobre os motivos de recusa ou de nulidade do registro de uma marca.


Image not found O TJUE, para fazer sua decisão, primeiramente fez uma análise das características do símbolo que a Nestlé queria registrar (como visto na imagem ao lado). Considerou-se que a forma para a qual o registo foi pedido era constituída por três características: 1) a forma retangular básica de uma placa; 2) a presença, a posição e a profundidade dos sulcos dispostos longitudinalmente na placa e; 3) o número de sulcos que determina, com a largura da placa, o número de "barras".

Tendo isso em consideração, o Tribunal considerou que a legislação de marcas da UE deve ser interpretada no sentido de opor ao registro como marca um sinal constituído pela forma de um produto quanto esta seja  composta de três características essenciais, uma das quais (a de número 1) é imposta pela própria natureza do produto e as outras duas necessárias à obtenção de um resultado técnico, conforme dispõe o supracitado artigo da legislação.

A legislação brasileira, na lei 9.279/96, também versa, no artigo 124, sobre os sinais não registráveis como marca. O inciso XXI desse artigo dispõe não ser registrável como marca a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico.

Assim, tanto a lei europeia quanto a brasileira consideram que quando as características de um produto são essenciais ao seu funcionamento, como por exemplo os sulcos que permitem a separação das quatro barras de chocolate, o seu registro enquanto marca não é possível, podendo sofrer oposição como a feita pela Cadbury.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Diário de Anne Frank no domínio público: sim, não ou depende?


Esse ano a morte da adolescente judia Anne Frank completa 70 anos. Nascida em Frankfurt, no ano de 1929, seu diário ficou famoso por retratar o cotidiano dos perseguidos pelo regime nazista, o qual eventualmente a capturou e causou sua morte no campo de concentração Belsen, em 1945. Esse lapso temporal é importante, pois indica que os escritos de Anne Frank cairão, a partir de 1 de janeiro de 2016, em domínio público, conforme indica o artigo 64 da lei alemã de direito de autor.

Ou não, já que a Fundação Anne Frank (AFF), detentora dos direitos autorais sobre o diário, recentemente emitiu essa nota declarando que a obra não estaria sequer próxima de entrar para o domínio público. Acontece que existem 3 versões da obra que são relevantes para se analisar. A primeira, redigida pela própria Anne, entrará sem sombra de dúvidas em domínio público a partir do ano que vem. Entretanto, o mundo só entrou em contato com o diário em 1947, a partir de uma edição revisada pelo seu pai, Otto Frank, o qual faleceu em 1980. Já a terceira versão foi feita pela pesquisadora Mirjam Pressler em 1991, sob a autorização da Fundação, somando trechos da versão original e da versão do pai.

A polêmica cinge-se em torno do conceito de co-autoria e de obra derivada. Caso se assuma que Otto Frank seja co-autor da obra por ele revisada e editada aí de fato deve-se contar o período de 70 anos a partir da morte do último co-autor para a obra entrar em domínio, o que ocorreria somente em 2051 (art. 8(2) da lei alemã e 23 da lei brasileira de direito de autor). Isso se dá pelo fato de que os co-autores possuem os mesmos direitos em relação a obra que escrevem, cabendo a eles, inclusive, todos os prazos previstos em lei.

Contudo, tendo a discordar dessa posição, utilizando como argumento os comentários fornecidos pelo próprio advogado brasileiro da AFF, Rodrigo Azevedo, a uma reportagem do GLOBO:
Indiscutivelmente, Anne Frank detém a autoria exclusiva das versões A e B do ‘Diário...’ Porém, mais complexa é a circunstância que envolve a criação das versões C e D (versões de Otto e Mirjam), sendo esta última justamente a obra que atualmente se encontra em circulação. Tanto na versão C quanto na D, o processo criativo foi diretamente influenciado por novas pessoas, gerando um resultado final inquestionavelmente diverso. Assim, cabe verificar se seriam essas modificações e rearranjos suficientes para qualificar as versões C e D como novas obras protegidas, o que, naturalmente, conduziria a diferentes prazos de duração dos direitos patrimoniais de autor, notadamente sabendo-se que Otto Frank faleceu apenas em 1980 e que Mirjam Pressler ainda vive. Desse modo, a versão atualmente em circulação (D), bem como o texto organizado por Otto Frank (C), na condição de obras derivadas, possuem prazos de proteção autoral independentes em relação aos textos originais, os quais seguirão vigentes ainda por décadas. (Negrito meu)
Percebam que o advogado da fundação fala na entrevista sobre "novas obras protegidas", o que certamente se refere ao instituto de obras derivadas. O art. 5º, inciso VIII da lei 9.610 define obra derivada como a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária, portanto nova obra. Assim, sendo criações diferenciadas, pode-se assumir que tanto os textos de Otto quanto de Mirjam ainda estão protegidos pelo instituto do Direito de Autor, mas que a redação original do diário de Anne Frank não o estará a partir do ano que vem.

Portanto, todo aquele que conseguir ter acesso à redação original do diário, sem as edições promovidas pelo pai de Anne, poderá utilizá-la e divulgá-la de qualquer forma sem sofrer qualquer tipo de sanção. Resta saber se a AFF divulgará ao público material tão raro de maneria voluntária.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Curtinhas de propriedade intelectual


mel_sebrae_ortigueira (Foto: Divulgação/Sebrae)O paranaense "Mel de Ortigueira" é o primeiro a conseguir o registro de Denominação de Origem (DO) pelo INPI. A DO é concedida a um produto cujas características do local onde é produzido façam deste algo único. Esse instituto é regulado pelos artigos 176 a 182 da lei 9.279/96 no título IV: das indicações geográficas.

A comprovação de pirataria não exige perícia completa do material apreendido. Foi essa a decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento de dois recursos repetitivos. De acordo com os ministros: "é suficiente, para a comprovação da materialidade do delito previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do Código Penal a perícia realizada por amostragem sobre os aspectos externos do material apreendido, sendo desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou de quem os represente".

Em decisão datada de 04.09, o TST decidiu que fábrica de papel terá de indenizar empregado que, com recursos próprios, produziu software utilizado pela empresa para melhorar a produtividade. Argumentou-se que houve enriquecimento sem causa da fábrica, ao ter feito uso de produção intelectual do trabalhador sem a devida contraprestação. O artigo 90 da lei 9.279/96 inclusive prevê pertencer exclusivamente ao empregado o invento desenvolvido por ele, desde que desvinculado do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A patente do "slide to unlock" e sua invalidade na Alemanha


Donos de smartphones, especialmente os fabricados pela Apple, já se acostumaram com a funcionalidade "slide to unlock", utilizada para liberar o telefone a partir da tela de bloqueio. Essa funcionalidade foi apresentada por Steve Jobs no primeiro Iphone, datado de 2007, e tinha como objetivo evitar o desbloqueio involuntário da tela através da apresentação desse pré-requisito simples para se acessar o menu principal do telefone.

Tal funcionalidade, tão simples, mas implementada por uma série de aparelhos portáteis daquele ponto em diante, foi para a surpresa de alguns objeto de patente da empresa do vale do silício no mesmo ano de 2007. Acontece que enquanto que nos EUA tal patente continua válida, na Europa sua vigência é continuamente questionada e revogada por órgãos judiciais de países membros da UE.

Em caso julgado em 25.08 pelo Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, maior corte alemã) este considerou que a tecnologia da Apple não era patenteável por violar o artigo 52(1) da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia, por não possuir atividade inventiva. Essa decisão do tribunal superior reafirmou decisão já dada pelo Tribunal Federal de Patentes alemão, de 2013.

Cabe aqui relembrar os requisitos da patenteabilidade de uma invenção, trazidos no direito nacional pelo artigo 8º da lei 9.279/96. São estes a novidade, a atividade inventiva e a aplicação industrial. Desse modo, caso descumprido algum desses requisitos o invento não pode ser protegido por meio do instituto da patente, devendo outra alternativa ser buscada.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Sistema de patentes e o (des)estímulo à inovação

Com o crescente e cada vez mais veloz avanço da tecnologia é natural que se questionem as leis e procedimentos que a regulamentam, sob a acusação de que em última instância elas acabam por prejudicar essa evolução. Um exemplo claro disso é a forma com a qual atualmente se critica o sistema de concessão de patentes, cuja função é de proteger o direito de criadores por meio da tutela de suas invenções.

Este recente artigo do The Economist é mais um "sintoma" das contradições vividas por esse instituto da propriedade intelectual. Ele discorre, em breve resumo, sobre como o sistema de patentes, o qual deveria estimular a inovação, acaba inibindo-a ao criar um sistema caro, cujo tempo de proteção é muito extenso e que, por consequência, diminui o livre fluxo de ideias.

Esse sentimento de que o sistema de patentes acaba por prejudicar a inovação é especialmente sentido aqui no Brasil. Já se reportou aqui no blog que o prazo médio para a aprovação de uma patente em território nacional é de 11 anos, enquanto que em países como Estados Unidos esse tempo se reduz a 2 anos. Tal dilatação desestimula a inovação e o empreendimento de atores nacionais e internacionais na economia do país, isso numa época de fragilidade na economia e em que esse tipo de investimento seria bem-vindo.

Para tentar estimular a inovação no país a Comissão de Assuntos Econômicos aprovou o Projeto de Lei 689/2011, o qual estabelece que o valor da retribuição será progressivo durante o prazo de vigência da patente. De acordo com a reportagem da Agência Senado:
 A elevação progressiva, no caso, funcionaria como desestímulo à prática de manter o registro por 20 anos apenas para impedir que o conhecimento caia em domínio público e possa ser utilizado por outros empresários e consumidores".
Assim, pode-se perceber uma tentativa de trazer maior equilíbrio entre a proteção de uma invenção e a inovação que a livre distribuição desse conhecimento poderia trazer, de modo a permitir ao instituto da patente cumprir sua função originária e não ser um que iniba a produção de novas tecnologias.